Quae est ista quae ascendit de deserto, deliciis affluens, innixa super Dilectum suum? Quem é esta que sobe do deserto cheia de delícias e apoiada em seu Amado?

sexta-feira, 30 de março de 2012

Posse comum segundo Santo Tomás





"11. Os males que se seguiriam da lei da comunidade das posses de Sócrates. 


Se as posses fossem comuns a todos os cidadãos, não seria possível que todos os cidadãos cultivassem os campos. Seria necessário que os maiores se ocupassem dos negócios maiores, enquanto que os menores se ocupassem da agricultura. Todavia, seria necessário que os maiores, que menos teriam trabalhado na agricultura, mais recebessem de seus frutos. Ora, por causa disso necessariamente se originariam acusações e litígios, na medida em que os menores, que mais teriam trabalhado, murmurariam dos maiores que, pouco trabalhando, muito receberiam, enquanto que eles mesmos, ao contrário, menos receberiam, embora mais tivessem trabalhado. Ademais, é muito difícil que muitos homens, ao conduzirem uma vida comum, comuniquem em alguns bens humanos e principalmente nas riquezas. De fato, vemos que aqueles que 
comunicam em algumas riquezas têm muitas dissenssões entre si, como é evidente naqueles que viajam juntos; freqüentemente, de fato, discordam, quando fazem as contas, naquilo que gastam em comida e em bebida e às vezes por pouco se agridem e ofendem por palavras e obras. De onde que é evidente que, onde todos os cidadãos tivessem em comum todas as posses, isto [lhes seria causa para] a existência de muitos litígios. Finalmente, os homens são maximamente ofendidos pelos servos dos quais muito necessitam para certos ministérios servis, o que ocorre por causa da comunidade da conversação da vida [que desta necessidade decorre]. De fato, aqueles que não convivem freqüentemente não se turbam com freqüência. De onde que é evidente que a comunicação entre os homens existentes é freqüentemente causa de discórdia.



12. Os bens que se impediriam pela lei da comunidade das posses de Sócrates. I.

Se se ordenasse nas cidades conforme agora se ordena, isto é, que as posses sejam divididas entre os cidadãos, e isto fosse ordenado por belos costumes e justas leis, isto produziria uma grande diferença em uma muito maior bondade e utilidade em relação ao que Sócrates propunha. [Nesta ordenação encontrar-se-ia] o bem de dois modos, tanto na medida em que as posses seriam tidas como próprias, quanto na medida em que seriam tidas em comum. Se, de fato, as posses forem próprias, e se ordene por leis e costumes retos que os cidadãos comuniquem entre si com seus próprios bens, este modo de vida possuirá o bem que pertence tanto aos dois modos [anteriormente mencionados], isto é, à comunidade das posses e à sua distinção. De fato, é necessário que as posses, simplesmente consideradas, sejam próprias quanto à propriedade do domínio, mas que, de algum modo, [também] sejam comuns. Pelo fato de que as posses são próprias, segue-se que a busca [e o cuidado] da posse seja dividida, na medida em que cada um cuida 
de sua própria posse. Disto seguem-se dois bens, dos quais o primeiro é que, na medida em que cada um se intromete de si no que lhe é próprio e não no que é de outro, não se produzindo os litígios que entre os homens costumam originar-se quando muitos devem ocupar-se de uma mesma coisa, na medida em que a um parece que deva proceder- se de um modo e a outro parece que deva proceder-se de outro. O segundo bem é que cada um mais aumentará a sua posse insistindo nela mais solicitamente como algo de próprio. 
Deste modo as posses serão divididas, mas por causa da virtude dos cidadãos, que serão liberais e propensos a fazerem o bem entre si, estas posses serão comuns segundo o uso, assim como se 
afirma no provérbio, que as coisas que são do amigo são comuns. Para que isto não pareça a alguém como coisa impossível, o Filósofo acrescenta que em algumas cidades bem ordenadas foi estabelecido que algumas coisas fossem de fato comuns quanto ao uso, outras se tornassem comuns pela vontade de seus próprios 
donos, na medida em que alguém, tendo sua própria posse, dirigisse alguns de seus bens para a utilidade de seus amigos e estes amigos utilizassem estes bens por si mesmo como de coisas comuns.
Assim era na cidade dos Lacedemônios, na qual alguém poderia usar o servo do outro ao seu próprio serviço como se fosse um servo próprio. Semelhantemente poderiam usar também cavalos, cães e veículos dos outros como se fossem seus, se necessitassem deles para irem a um campo situado na mesma região. De onde que é manifesto que é muito melhor que as posses sejam próprias segundo o domínio, mas que se tornem, de algum modo, comuns quanto ao uso. Como, porém, o uso das coisas próprias possa se tornar comum, isto pertence à providência do bom legislador.



13. Os bens que se impediriam pela lei da comunidade das posses de Sócrates. II. 


Não é coisa fácil narrar o quanto é deleitável que alguém considere algo como próprio. Esta deleitação procede de que o homem ama a si mesmo; é por causa disso, de fato, que ele deseja bens para si. 
Não é uma coisa vã que alguém tenha amizade para consigo mesmo; ao contrário, trata-se de algo que pertence à natureza. Todavia, às vezes alguém é com justiça vituperado por amar a si mesmo; quando, porém, alguém é vituperado por este motivo, não o é por amor a si mesmo simplesmente falando, mas por fazê-lo mais do que o deveria. Ora, esta deleitação produzida pela posse de coisas próprias é removida pela legislação se Sócrates. 



14. Os bens que se impediriam pela lei da comunidade das posses de Sócrates. III. 


Ademais, é muito deleitável para o homem que ele possa doar ou auxiliar os amigos, ou mesmo os estranhos ou quem quer que seja. Mas isto não se pode fazer se o homem não possui algo como sua possessão. Este bem também é removido pela legislação de Sócrates que proíbe a propriedade de posses. Aqueles que querem unir excessivamente a cidade desta maneira, manifestamente eliminam com isto a obra das virtudes. Os que introduzem a comunidade de posses removem com isto o ato da liberalidade. Não poderá manifestar-se que alguém seja liberal, nem alguém poderá exercer o ato da liberalidade, se não tiver posses 
próprias, no uso das quais consiste a obra da liberalidade. O homem liberal gasta e doa o que é próprio; mas, se alguém dá o que é comum, isto não pertence propriamente à liberalidade. Todos estes inconvenientes acontecerão àqueles que quiserem unir excessivamente uma cidade introduzindo nela a comunidade das 
mulheres, dos filhos e das posses.



15. O motivo pelo qual as leis de Sócrates seduziram a muitos. 


As leis propostas por Sócrates parecem boas [quando consideradas  em sua] superfície, e parecem amáveis aos homens por dois motivos. O primeiro se deve ao bem que alguém espera como futuramente proveniente de tais leis. De fato, quando alguém ouve dizer que entre os cidadãos tudo será comum, recebe isto com alegria, considerando a amizade admirável que haverá por causa disso no futuro entre os homens de todos para com todos. O segundo motivo se deve aos males que os homens consideram que seriam removidos por meio de tais leis. De fato, muitos atribuem os males que hoje se fazem nas cidades, como as querelas que há 
entre os homens por causa de contratos, os julgamentos baseados em falsos testemunhos, a adulação dos pobres por parte dos ricos, como tendo a sua causa no fato de que as posses não são comuns. Mas, se alguém considerar corretamente, nenhuma destas coisas se deve ao fato das posses não serem comuns, mas sim à malícia dos homens. Ao contrário, o que se observa é que aqueles que possuem coisas em comum muito mais litigiam entre si do que aqueles que possuem posses separadas. Como, porém, são poucos aqueles que tem posses em comum em relação aos que as tem divididas, por causa disso um menor número de litígios procede da comunidade de posses. Se, entretanto, todos tivessem tudo em comum, muito 
maior número de litígios haveria. O homem não deve considerar apenas quantos males são evitados 
por aqueles que têm as posses em comum, mas também de quantos bens estes se privam. O legislador deve tolerar alguns males para que não se impeçam bens maiores. Ora, tantos são os bens impedidos por estas leis propostas por Sócrates, que a própria convivência parece tornar-se impossível, como é evidente pelos 
inconvenientes acima mencionados."


(Santo Tomás de Aquino e Pedro de Alvérnia, Comentário à política de Aristóteles, Livro II, cap. 1, 11-15)

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