A Igreja não tardou para condenar o Liberalismo
G.-C Rutten. O. P.
A Doutrina Social da Igreja, segundo as Encíclicas Rerum
Novarum e Quadragesimo Anno, 1947, Agir, Pág. 32-46
Mais do que nunca é necessário saberem os nossos militantes
provar, por textos indiscutíveis e fatos precisos, que, para denunciar os
nocivos resultados do individualismo do último século, os católicos sociais não
esperaram que o socialismo se tornasse poder ameaçador. Para eles respingamos,
portanto, na história do século passado, alguns fatos particularmente
sugestivos.
***
Chefe incontestado do
movimento social católico na Alemanha foi o bispo von Ketteler, contemporâneo
de Marx e Lasalle.
Desde 1848, ano da
publicação do Manifesto comunista, Mons. von Ketteler pronunciou na catedral de
Mogúncia os seus dois célebres sermões sobre a propriedade, dos quais damos uma
súmula no capítulo seguinte.
No seu discurso de 25 de
julho de 1869, perante um auditório de operário da zona industrial do Main,
assim dizia: “O caráter fundamental, que dá importância e significação ao
movimento operário, constituindo, para bem dizer, a sua essência, é a tendência
para a associação operária que tem por fim pôr a união das forças ao serviço
dos interesses dos operários. A religião só pode apoiar tais associações e
desejar que elas surtam efeito em prol da classe operária”.
Em seguida, o bispo de
Mogúncia examinou cada uma das reivindicações que os operários deverão fazer
triunfar pela força dos agrupamentos profissionais:
“A primeira reivindicação
da classe operária é um aumento de salário correspondente ao valor real do
trabalho... A religião exige que o trabalho humano não seja tratado como
mercadoria, nem avaliado pura e simplesmente segundo as flutuações da oferta e
da procura.
A segunda reivindicação da
classe operária é a diminuição das horas de trabalho... Em toda a parte onde o
tempo do trabalho exceda os limites que impõem a natureza e o interesse da
saúde, os operários têm direito bem fundado de combater, mediante ação comum,
semelhante abuso do poder capitalista...
A terceira reivindicação da
classe operária visa obter dias de descanso... Neste ponto a religião não só
está convosco, mas muito antes de vós fez prevalecer à necessidade desses
dias... Também a tal respeito os princípios da economia social e os partidos
que os seguem incorreram em crime que branda realmente vingança ao céu e não
cessam de cometê-los todos os dias... O tempo de descanso deve ser computado no
do trabalho, tanto quanto em razão mesmo deste, o descanso se tornar necessário
e se impuser como condição do trabalho a fazer.
Uma quarta reivindicação da
classe operária é a proibição de trabalharem as crianças durante a época em que
ainda são obrigadas a frequentar a escolas.
Julgo que semelhante trabalho das crianças é monstruosa crueldade do
nosso tempo. Equiparo-o ao assassínio, a fogo lento, do seu corpo e da sua alma...
A quinta reivindicação da classe
operária tende a excluir das fábricas as mulheres e, sobretudo as mães de
família. A religião exige que a mãe passe o dia em casa a fim de desempenhar a
sua alta e santa missão para com o homem e os filhos.
Há um sexto postulado: a
moça solteira também não deveria ser empregada nas fábricas.”
O bispo acrescentou,
entretanto, que segundo o seu intento, este postulado não implicava uma
indicação absoluta, sem exceção no que concerne às moças solteiras; mas pedia a
todos os católicos que se associassem energicamente ao movimento tendente a
salvaguardar a moralidade da juventude nas fábricas e oficinas. Era para a
classe operária “uma questão de honra e um dever imposto pela religião.”
Após haver enunciado as seis
reivindicações, o bispo timbrou em fazer notar que não esgotara o assunto. Quis
ater-se às reformas que realizáveis mais imediatamente lhe pareciam. Concluiu o
discurso com a enumeração das obras que têm por fim facilitar a economia, a
aquisição duma pequena propriedade, a instituição, enfim, de cooperativas
operárias não só de consumo como mesmo de produção.
No mesmo ano, Mons. von
Ketteler apresentava à assembleia dos bispos alemães em Fulda um relatório em
que as mesmas idéias eram expendidas não menos vigorosamente e que concluía
pela indicação das medidas de proteção legai que os católicos do Centro não
tardariam em fazer votar. O relator declarava sentir ter constatado que o
clero, na sua mor parte, não estava bastante consciente da gravidade do
mal-estar social e, portanto, convir, antes de tudo, iniciar os jovens clérigos
nos problemas sociais.
Confrontando os textos de
Ketteler com os da Encíclica “Rerum Novarum”, compreende-se que Leão XIII, numa
conversa com o Snr. Decurtns, tenha chamado o bispo de Mogúncia “seu ilustre
precursor”.
O principal continuador da
obra do Mons. von Ketteler foi o cônego Hitze, que, após o falecimento de
Windthorst, tornou-se um dos chefes do Centro alemão. Hitze resumiu o programa
social dos católicos do seu país numa brochura publicada no começo de 1880 sob
o título “A quintessência da questão social”. A questão social, ao seu ver,
consiste essencialmente “em se procurar uma organização social que corresponda
às condições modernas da produção, tal qual a organização social da idade média
correspondia às condições em que se achava, então, a produção nas cidades e
aldeias”. Hitze assinala o perigo da produção que denomina anárquica, isto é,
“que ultrapassa consideravelmente as
possibilidades de consumo... O verdadeiro senhor nas nossas sociedades é o
capitalista, porque todos – industriais, empresários, patrões, empregados e
operários – estão a mercê do capital. A solução deve ser buscada na organização
social das profissões. É mister tornar menos precária a situação dos
assalariados, criando-se maior reciprocidade de deveres, maior solidariedade
entre patrões e operários. A nossa época, que se proclama democrática, não pode
admitir que o operário continue a ser uma mercadoria que se compra ou vende
segundo as cotações do mercado”.
***
Na Áustria, o programa do
barão Vogelsang preconizava, há mais de cinquenta anos, o seguro social, a
fixação legal de salário mínimo e do juro de capitais que pelos respectivos
donos não são aplicados diretamente a alguma obra de produção.
O caráter radical deste
programa explica-se pelos abusos intoleráveis da usura que então exerciam os
judeus, nomeadamente na Galícia e na Morávia.
No conceito de Vogelsang e
de seus amigos, o único remédio eficaz para a decomposição da sociedade era a
organização corporativa obrigatória de todos os ofícios ou profissões. A
sociedade - ponderavam eles – não deve
ser uma simples justaposição de indivíduos, senão uma federação de
coletividades ou de agrupamentos sociais. O voto não deveria representar um conjunto
de interesses individuais, mas ser a expressão dos grandes interesses sociais.
Desde 1883, o grupo dos
católicos austríacos fazia votar o regime da corporação obrigatória para a
pequena indústria. A increpação, que lhes faziam, de quererem voltar à antiga
feudalidade, Vogelsang e seus amigos obtemperavam: O que se chama abusos
feudais são as usurpações da força bruta, os excessos do poder, as iniquidades
de toda a sorte que certos senhores cometeram. Se procurarmos, em compensação,
os princípios do regime feudal, podemos enuncia-lo mais ou menos deste modo: É
pelo implemento contínuo do dever social que se justifica o exercício contínuo
do direito individual; não se é senhor senão para servir àqueles que o não são;
a proteção do fraco é a condição do poderio e o resgate da grandeza; a
propriedade, enfim, é menos uma riqueza do que uma função. Numa palavra, não se
trata de restaurar a sociedade da idade média, mas de inspirar-nos, para
reorganizar a sociedade atual, no ideal, no ideal social dos séculos de fé (1).
***
Na Suiça foi um católico
fervoroso, Decurtins, lente da Universidade de Friburgo, que teve a iniciativa
da primeira conferência internacional para a proteção dos trabalhadores,
conferência que no ano de 1890 realizou-se em Berlim, a pedido do imperador da
Alemanha.
Em longa memória enviada ao
Parlamento Federal suisso, Decurtins afirmou que somente a legislação
internacional concernente à proteção do trabalho podia abrir caminho para a
luta contra a anarquia da produção. “Justamente porque o mercado da mão de obra
e a própria indústria são coisas internacionais, os direitos do trabalho não
poderiam por mais tempo continuar detidos no seu desenvolvimento pelas
barreiras que separam as nações”.
A Conferência em Berlim, na
qual a Santa Sé foi representada por Mons. Kopp, príncipe-bispo de Breslau,
quase não teve resultados imediatos, mas ficou ventilada a questão e dado o
impulso. Já nenhuma influência era capaz de sustar os progressos duma reforma
reclamada simultaneamente pela justiça e pelo interesse comum.
***
Na França, o conde de Mun e
o marquês de La Tour du Pin defenderam, desde 1875, na revista “L’Association
Catholique”, as idéias caras a todos os católicos sociais. A citada revista é
fonte preciosa de documentos para os historiadores do movimento social. Nela
encontra-se, entre outros, o texto completo duma comovente carta dirigida em
1845 por Mons. Rendu, bispo de Annecy, ao rei da Sardenha. Este prelado,
denunciando os abusos de que era testemunha, declarava:
“A expansão da indústria tem
produzido abusos de tal forma odiosos que é preciso remontar até ao paganismo
para deparar semelhante dureza e desprezo da humanidade. É mesmo de estranhar
que a opinião, ou o que assim se convencionou chamar, não reclame contra uma
desordem que arremete contra a sociedade como a vaga impelida pela tempestade
vinda do meio do oceano. Grande zelo manifestou-se em prol da abolição da
escravidão...; mas ninguém ousa propor que se aplique um curativo à chaga mais
dolorosa e repugnante da humanidade. Ouvem bem os gritos que ela faz os
desgraçados soltarem, mas calam-se porque temem o poder dos que os comprimem
para que deles saia ouro.(2)”
***
A história do movimento
social do século passado relata poucos episódios mais significativos do que as
intervenções do Cardeal Manning em 1889 por ocasião da greve dos estivadores de
Londres e do Cardeal Gibbons, de Baltimore, em 1887, a favor dos Cavalheiros do
Trabalho.
Relatando o primeiro destes
episódios, o Padre G. Guitton escreveu que “ante os fatos e algarismos aduzidos
pelo Cardeal, era difícil negar que se justificavam as reivindicações dos
grevistas. Destes, porém, se tinham assenhoreado alguns agitadores, entre
outros o famoso John Burns, para exacerbar as paixões.
Ceder seria covardia,
traição da ordem social. A isto o octogenário não hesitou em obtemperar que não
cedendo o que se faria era apenas fornecer novo alimento ao incêndio de ódios e
que os único fundamento da verdadeira ordem social é a prática da justiça”.
“Mas, my Lord,
objetavam-lhe, é socialismo o que fazeis”. E o Cardeal renovando sem saber o
dito de Leão XIII a La Tour du Pin, declarava: “Não sei se para vós é
socialismo. Para mim é puro cristianismo” (3)
Certos tópicos das
conferências, feitas pelo Cardeal Manning em 1874, sobre os direitos e a
dignidade do trabalho, ficarem célebres. Lembremos o mais conhecido:
“Se o fim da vida é multiplicar
as varas de casimira e de algodão, se a glória da Inglaterra consiste em
produzir tais artigos e outros similares na maior quantidade possível e pelo
mais baixo custo, então avancemos no
caminho em que estamos. Ao contrário, se a vida doméstica dum povo é a
verdadeira vida, se a paz e a honra do lar, se a educação dos filhos, os
deveres de esposa e de mãe, os deveres de marido e de pai estão inscritos numa
lei natural de outra importância que a de qualquer lei econômica, se todas
estas coisas são sagradas ao inverso das que se vendem no mercado, então-
declaro – cumpre agir consequentemente. Se, em certos casos, a não
regulamentação do trabalho conduz a destruição da vida doméstica, à negligência
da educação dos filhos, se transforma as mulheres e as mães em máquinas vivas,
os esposos e os pais (perdoem-me a palavra) em bestas de carga que levantam
antes do sol e à noite voltam ao pouso extenuados pela fadiga e mal tendo força
para comerem um pedaço de pão e a tirarem-se a um grabato para dormir: a vida
de família não existe mais e neste andar não podemos continuar. Sei que abordo
um assunto difícil, mas creio ser preciso encará-lo calmamente, com justiça e
vontade bem firme de pôr o trabalho e seus lucros em segundo plano, a
moralidade e a vida de família no primeiro!”.
E numa carta a Mons. Doutre loux, bispo de Liége, o Cardeal Manning
acrescentava: “Fazer passar o trabalho e o salário antes das necessidades da
vida humana e doméstica e solapar a ordem estabelecida por Deus e pela
natureza, é arruinar a sociedade humana no seu princípio vital. A economia da
indústria é regida pela suprema lei moral que determina, limita e confere as
suas operações”.
Alguns anos mais tarde, um discípulo do
Cradeal Manning, Mons. Bagshave, bispo de Nottingham, escrevia:
“As classes abastadas falam em caridade,
mas se quisessem restituir aos pobres o que a estes devem em rigorosa justiça,
veriam logo que as somas devidas são infinitas superiores às suas pretensas
caridades”.
“Um governo não pode, certamente, considerar-se justo quando tolera que num país, como a Irlanda, onde os campônios se consomem na mais dura miséria, doze milhões de acres de terras sejam entregues a pastos pelo capricho dos Lords, enquanto sobre vinte milhões de acres de terras irlandesas há apenas três que dão produtos próprios para a alimentação do homem”. (4).
“Um governo não pode, certamente, considerar-se justo quando tolera que num país, como a Irlanda, onde os campônios se consomem na mais dura miséria, doze milhões de acres de terras sejam entregues a pastos pelo capricho dos Lords, enquanto sobre vinte milhões de acres de terras irlandesas há apenas três que dão produtos próprios para a alimentação do homem”. (4).
Eis dois extratos duma memória enviada pelo Cardeal Gibbons ao Cardeal
Simeoni, Secretário de Estado de Leão XIII em defesa da “Associação dos
Cavalheiros do Trabalho” que o arcebispo de Québec julgara dever condenar: “Se
muitos bispos se inquietam com as tendências, segundo lhe parecem,
revolucionárias das novas associações, outros em número não menor, dentre os
quais o Cardeal Manning e eu mesmo, alarmam-se igualmente ante o perigo que
corre a Igreja de ser apresentada em nossa época como aliada dos poderosos e
ricos e adversária dos fracos e pobres, porque tal aliança, embora aparente, não
só causaria inaudito mal à Igreja como também subverteria toda a nossa
história. Nunca, ao nosso ver, semelhante coisa deve acontecer. O único poder
do mundo, que há quase dezoito séculos tem sido protetor das classes pobres e
dos fracos, não iria abandoná-los na hora da angústia. Mui sabiamente o
próprio Cardeal Manning ponderou: “As condições em que ora se acham as classes
inferiores não podem durar mais; sobre tais alicerces é impossível que algum
edifício subsista”.
E sabido que Leão XIII anuiu à tese do
Cardeal Gibbons.
***
No seu livro “Vingt-cinq annés d’Action
Sociale”, o snr. Verhaegen rememorou os primórdios do movimento democrático
cristão na Bélgica.
Durante os sessenta
primeiros anos da nossa independência nacional, a atividade dos católicos
belgas é inteiramente absorvida pelas obras de ensino, de patronato e de
beneficência. Todavia, a revista “L’Economie sociale” publicou uma série de
artigos em que um industrial católico, o snr. M. J. De Jaer, assinalou o
perigo: “Enquanto os socialistas seguem em toda a parte um idêntico sistema de
propaganda, a burguesia em toda a parte assume para com eles a mesma atitude
inábil, pouco corajosa e pouco leal. Semelhante atitude faz pensar na do
avestruz que esconde a cabeça na areia para se safar do perigo... Há sociedades
onde se faz o operário conhecer apenas os seus direitos. São más. Outras obras
existem onde sob o ponto de vista da solução da questão social, talvez pouco
melhores sejam”.
No Congresso católico de
Malines, realizando em 1864, houvera maioria para defender com o snr. Carlos
Périn a doutrina do patrono e da caridade e rejeitar de resoluções do snr.
Duepétiaux pedindo, não só que, mediante lei, se fixasse a idade mínima para
admissão nas fábricas, se limitasse a 12 horas a duração da labuta quotidiana e
para as mulheres se proibissem trabalhos subterrâneos, como também a
regulamentação da higiene nas oficinas, a inspeção administrativa do trabalho e
acordos internacionais para a unificação da legislação social.
Infelizmente, vozes como as de
De Jaer e Ducpétiaux, durante demasiado tempo, elevaram-se no deserto.
Mais atendido não fora um grande
orador francês, o snr. Ugustin Cochin, quando no Congresso de 1863 declarava:
“Muitíssimas vezes os industriais incubem a caridade de completar os salários e
preferem dar sob a forma de socorro o que o operário acharia mais digno e mais
seguro receber em pagamento”.
No capítulo do Tomo II da
História da Bélgica Contemporânea, consagrado à história social do nosso país (5),
o professor Defourny recorda que no mesmo ano de 1864 um grande industrial de
Gand, blasonado progresso e filantropia, jactava-se de haver reduzido a tarefa
das crianças a 12 horas por dia e com isso auferir produção tão vantajosa
quanto os seus concorrentes que mantinham a duração de 14 horas. Parecia-lhe,
contudo, que 12 horas de trabalho eram o mínimo abaixo do qual não se deveria
cogitar de descer.
***
Liga Democrática Belga, fundada
em princípios de 1891, começou por agrupar algumas organizações esparsas nos
principais centros operários. O conjunto das resoluções votadas pelos seus
congressos anuais constitui um programa social completo que, nas linhas
essenciais não diverge do adotado pelos católicos sociais e de outros países.
Os dirigentes mais autorizados
do movimento democrático cristão foram então os snrs. Helleputte, Verhaegen,
Kurth, o padre Pottier, de Ponthière, Léon Mabille, Levie, Victor Delporte,
Eylenbosch e simples operários, dos quais o mais influente era o tecelão Bruggeman,
de Gand. Os seus nomes ficaram gravados na memória grata dos trabalhadores
cristãos. Todos sabiam ser sustentados por Mons. Doutreloux e Stillemans,
bispos respectivamente de Liège e de Gand.
As reformas sociais que
preconizavam, pouco diferem das que defendia a revista francesa “L’Association
Catholique”. Podem ser reduzidas a quatro idéias fundamentais: condenação do
regime individualista fundado na pretensa liberdade do trabalho; organização
profissional ou corporativa e internacional; repressão da usura e dos abusos do
capitalismo sob todas as suas formas.
A estas indicações sumárias
seja-nos permitido ajuntar o que escrevemos, em 1899, ao sair da Universidade,
na tese doutoral consagrada às greves dos mineiros e à ação socialista. Essa
página parece-nos apresentar algum interesse porque relata as impressões dum
estudante da Universidade posto pela primeira vez em contato com a realidade:
“Custa-se a imaginar na hora
atual, apesar dos motins sangrentos que acompanharam as greves nas minas de
carvão, quanto ódio e quanta sede de vingança apoderavam-se dos mineiros quando
os oradores dos meetings lhes faziam passar pelos olhos, exagerando-os, o
lúgubre cortejo dos incríveis abusos revelados pelos inquéritos privados e
oficiais: depauperamento do corpo pela demasiada duração dum trabalho quase
ininterrupto; embrutecimento do espírito por falta completa de educação e
instrução profissional, tornada inútil em muitas profissões pela introdução do
trabalho parcelar; trabalho nos domingos; trabalho à noite; trabalho das
crianças e das mães; locais estreitos, baixos mal arejados, ora superaquecidos,
ora frios e úmidos; alimentação deficiente; salários por vezes irrisórios,
pagos irregularmente e desfalcados por frequentes multa e retenções
consideráveis e arbitrárias: obrigação de se abastecerem a preços usuários nas
casas dos contra-mestres; quase nenhuma regulamentação fixas das condições do
trabalho; ausência quase total de várias precauções elementares contra
acidentes, tanto mais numerosos por serem ainda muito imperfeitas as
instalações; abandono frequente dos feridos, doentes e velhos, consequência
fatal da inexistência de qualquer organização de seguro ou de caixas de pensão
e aposentadoria; abusos desenfreados dos sub-contratos e do regateio;
aglomeração de famílias numerosas em casebres miseráveis, por vezes infectos.
A tudo isto juntai o isolamento
do operário e a sua impossibilidade de agir em razão do desaparecimento de
uniões profissionais legalmente constituídas; a ausência, muitas vezes, quase
completa de relações diretas entre operários e industriais; esquecerem-se os
ricos dos encargos da propriedade; enfim, e sobretudo, a sufocação, em muitos
operários, de crença numa vida futura, deixando-os sem aquilo que a esta vida
pode dar um sentido, tirando-lhes coma esperança todo o freio moral para que na
sua existência empanada e aviltada não vejam senão um curto parênteses entre
dois nadas.
Ao proletário agro por tanta
amargura vinde agora pintar, em traços impressionantes e à vontade enegrecidos,
o contraste exasperador entre a sua miserável vida e a opulência requintada de “parasitas
fartos”; dizei e repeti que a causa única de tudo isto é o egoísmo cínico de
patrões açambarcadores; afirmai ser, no entanto, o trabalho dele a fonte única
de fortuna do rico; descrevei-lhe o abuso como inerente essencialmente ao uso,
o mal-estar transitório como um mal inelutável; pregai-lhe a teoria da luta das
classes... e perguntai-vos se esse operário, a quem repetem periodicamente tais
coisas, não está fatalmente destinado a se tornar um revoltado...” (6)
***
Tudo quanto acabamos de lembrar em nada altera o fato de, durante
longos anos, os católicos sociais não terem sido acompanhados pela maioria dos
seus correligionários. Aos católicos belgas, considerados no seu conjunto, será
aplicável este asserto de Pio XI: “As diretrizes tão autorizadas de Leão XIII
quebraram as oposições e desarmaram as desconfianças”?
É certo que no seio de
vários grupos intelectuais e nos meios operários a Encíclica “Rerum Novarum”
retiniu profundamente, mas é preciso também reconhecer a alhures se organizou a
seu respeito uma espécie de conspiração do silencia.
(1)
Cf. Léon Grégoire, Le pape, les catholiques et
la question sociale. Paris. 1907, 4e. éd., p. 20.
(2) L’Association
Catholique, Année 1881, T. II, P. 325, Cf. Guitton, 1891, Une date dans l’histoire
des Travailleurs. Paris, Ed. Spes, 1931.
(3) Guitton,
op. Cit, p. 57.
(4) Cf.
Nitti, Le socialisme catholique, Paris, Guillaumin, 1894, ch. XI.
(5) Bruxelles,
Dewit, 1929, p. 272.
(6)
Nos greves houlleres et l’Action Socialiste,
Bruxelles, Goemare, 1900, p. 324.
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Agradeço à Maria Aparecida por me ajudar na digitação.