A Doutrina Católica sempre condenou a “Sola Fide”, isto é, que somos justificados somente pela fé independente das boas obras. Lutero, tendo em vista sua vida pessoal, trouxe uma teologia pessimista, concluindo que a vontade é incapaz de um ato moral. O pobre monge Lutero sentia ódio à paz, atacava violentamente os observantinos, que chamava de “justitiarii”, por compreenderem a busca da santidade não como desespero, intranquilidade, mas em confiança a graça de Deus e a busca por cumprir o seu dever. Isto o fez reprovar as indulgências porque fixariam o homem nessa segurança “nefasta” que ele denuncia como “a grande tentação da Igreja”. Ser humilde, para ele, não é reconhecer em si os dons de Deus, nem em obedecer alegremente às suas vontades e desejos. Ser humilde é acusar a si mesmo, desprezar-se e banir a própria alma de qualquer tranquilidade e paz para consigo. É impossível entender a Sola Fide, sem antes voltar os olhos ao que há por trás disso. Só aí podemos entender a “fé-confiança” defendida por ele, isto é, persuasão subjetiva de ser justificado por Cristo, mesmo sem as boas obras. Eis que tiramos dois dogmas do protestantismo: a justificação passiva e a fé-confiança. Não se deve também esquecer as tendências gnósticas de Lutero tiradas do pensamento de Mestre Eckhart, além disso, o Mestre Geral de sua Ordem, quando na revolta luterana, era o cardeal Guido de Viterbo, que foi um dos famosos cristãos cabalistas da Renascença. As semelhanças ao que pregavam os hereges gnósticos são muito claras. Vejamos, por exemplo, o que Santo Irineu dizia sobre os discípulos de Simão Mago:
“Pois, segundo eles, os homens podem salvar-se pela graça, mas não pelas obras justas. Com efeito, não há obras boas por natureza, mas somente por convenção, como dispuseram os Anjos criadores para manter escravos os homens por meio destes preceitos” (Contra Heresias, I, XXIII, 3)
O gnóstico Marcion ensinava o mesmo a respeito da inutilidade das boas obras:
“Para o tempo que lhes falta viver na terra, a conduta dos crentes é ditada não tanto por um cuidado positivo em santificar suas vidas como por um interesse negativo em reduzir o contato com o domínio do Criador. É pela fé somente que se pode antecipara na terra a felicidade futura.” (Jonas, Hans. La religion gnostique, p. 187)
Segundo Santo Irineu, também essa doutrina, com uma maneira mais estendida, era crida pelos carpocráticos:
“[...] eles acrescentam que Jesus ensinou a seus apóstolos uma doutrina secreta e que os encarregou de transmiti-la àqueles que a soubessem compreendê-la. São a fé o amor que salvam. Todo o resto é indiferente e apenas a opinião humana coloca distinções entre o bem e o mal.” (Lacarrière, Jacques. Les gnostiques. P. 93 & Leisegang, Hans, La Gnose, p. 185-186.)
Também temos um texto valentino, citado por Santo Irineu, que diz:
“A salvação do “perfeito” dá-se de uma maneira quase automática: Não é a obra que faz entrar no Pleroma, mas a semente enviada de lá como uma criancinha e que torna perfeita aqui em baixo” (Contra Heresias, I, 6, 4)
Mas não basta demonstrarmos o histórico desta doutrina para os evangélicos, é preciso explicar onde foi que Lutero errou, por que este não compreendeu as cartas de São Paulo. Para isto, faz-se necessário fazer duas definições, o que é a fé e o que é a caridade. Digo caridade, pois as boas obras não fundadas nela não têm valor algum. Qualquer um pode fazer boas obras, mas não é qualquer um que tem o dom da caridade, pois para isto é necessário a fé. Por isso São Paulo nos diz: “Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!” (I Coríntios 13,3)
Também Santa Teresa de Jesus, doutora da Igreja:
“Assim como o cristal pode refletir o resplendor do sol, a alma ainda é capaz de fruir de Sua Majestada. Todavia, isso não se beneficia em nada, daí decorrendo que todas as boas obras que fizer, estando em pecado mortal, são de nenhum fruto para alcançar a glória. Isto porque não procedem do princípio pelo qual nossa virtude é virtude – Deus -, mas nos apartam Dele, não podendo ser agradáveis aos Seus olhos.” (Castelo Interior, Primeiras Moradas, cap. 2)
Seguindo a definição em Hebreus podemos repetir “a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.”(11,1) Assim, podemos dizer ter fé é crer em Deus, acreditar é assentir na opinião de outrem, e isto, se dá por meio do intelecto. A fé é um dom de Deus. Como nos diz São Paulo: “ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão sob a ação do Espírito Santo.”(I Coríntios 12,3) Em outra passagem deixa bem claro: “Isto não provém de vossos méritos [a fé], mas é puro dom de Deus.” (Efésios 2,8)
Agora, quanto à caridade. Caridade, segundo o Doutor Angélico, Santo Tomás, significa não só o amor de Deus, mas também uma certa amizade para com Ele, “a qual acrescenta ao amor a retribuição acompanhada de comunicação mútua”, ou seja, a caridade se manifesta pelo modo de operar, nas boas obras. Segundo o livro Eclesiástico, arrancado por Lutero, em Deus “residem a caridade e as boas obras” (Eclesiástico 11,15) São Paulo é bem categórico, segundo ele, a caridade “é o pleno cumprimento da lei.” (Romanos 13,10) Também a caridade é dom de Deus, pois é dada pelo Espírito Santo (cf. Romanos15,30) E, por fim, resta dizer que a caridade é maior que a fé e a esperança, pois lemos: “Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade.” (I Coríntios, 13,13)
Definições claras que apresentam por quê uma e outra não se separam, mas andam juntas, uma relacionada com a outra. Infelizmente, por culpa do livre exame, os evangélicos confundem o que a Santa Igreja deixa resplendente. A partir de uma má leitura de alguns versos concluem que só a fé justificaria. O exemplo disso se vê na interpretação dada por eles para Efésios 2,8 que diz: “Porque é pela graça que fostes salvos mediante a fé. Isto não provém de vossos méritos, mas é puro dom de Deus” Disto concluem que falar de boas obras é por fim à gratuidade da salvação. Isto não é verdade. A salvação continua sendo gratuita, a fé e a caridade são dons de Deus, e nós podemos possuí-los porque Ele nos amou primeiro. Não provém de nossos méritos, nem mesmo pela aceitação da fé, a salvação. Somos justificados pela fé e pelas obras, mas não são esses dois dons que nos fazem merecer a salvação, pois quem nos salva é Deus. Em sentido contrário, São Tiago pergunta: “Vedes como o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé?” (Tiago 2, 24) E um pouco antes: “Assim também a fé: se não tiver obras, é morta em si mesma.” (v. 17) Mas na tentativa de escapar desses versos, sem negarem a autenticidade da carta de Tiago como fez Lutero, alguns evangélicos dizem que não existe fé se não há boas obras. E entre outros sofismos dizem: “a fé que não pratica não acredita”. Isto é muito nebuloso! Demos acima a definição de fé e de nada ela é prejudicada por não haver boas obras. Ainda, em todo o capítulo onde fala São Tiago, ele nunca nega que haja, realmente, uma fé. Entre outras coisas diz: “Acaso esta fé poderá salvá-lo?” (v. 14) Além disso, uma fé não pode ser morta caso não exista, simplesmente, não seria nada. São Tiago, no fim do capítulo, faz a seguinte analogia: “Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta.” (v.26) Ora, assim como o corpo existe, mesmo sem a alma que dá a vida, assim também a fé existe mesmo sem as obras que lhe dão a vida.
Mas em alguma coisa os evangélicos estão certos, não pode existir caridade sem fé. A fé precede a caridade na ordem da geração, pois como nos ensina Santo Tomás: “é pela fé que o intelecto capta o que ele espera e ama. Portanto, na ordem de geração a fé tem que preceder a esperança e a caridade. Da mesma forma, se se ama alguma coisa é por apreendê-la como boa para si.” (ST IV, Q. 62, art 4) Em Hebreus 11, 6 isso é deixado claro quando se diz: “sem a fé é impossível agradar a Deus.” Ou ainda em Provérbios: Eu amo aos que me amam. (Pr 8,17) Santo Tomás nos diz: “E esta sociedade do homem com Deus que é, de algum modo, uma conversação familiar com ele, começa na vida presente pela graça e se completará na futura, pela glória. E ambas essas coisas nós as obtemos pela fé e pela esperança. Por onde, assim como não poderemos ter amizade com alguém se descrermos ou desesperarmos de poder ter com o mesmo alguma sociedade ou familiar conversação, assim não poderemos ter amizade com Deus, que é a caridade, se não tivermos a fé, que nos faz crer nessa sociedade e conversação com Deus, e se não esperarmos pertencer a essa sociedade. E portanto, sem a fé e a esperança a caridade não pode existir de nenhum modo.” (ST IV, Q. 65, art. 5) Se poderá perguntar: E as obras realizadas antes da fé? Responde-se com Hugo de S. Vitor: “As boas obras, realizadas antes da fé, ainda que não aproveitem para merecer a vida, aproveitam, todavia, para recebê-la, como pareceu a alguns e como fica manifesto no centurião Cornélio.” (Anotações à epístola aos Romanos, questão nonagésima nona)
Falemos, agora, na ordem da perfeição que é justamente ordenado de forma contrária, como nos diz Santo Tomás: “Na ordem de perfeição, porém, a caridade precede a fé e a esperança, porque tanto a fé como a esperança estão informadas pela caridade e adquirem a perfeição de virtude. Assim, pois, a caridade é mãe de todas as virtudes e a sua raiz, enquanto a forma de todas elas...” (ST IV, Q. 62, art 4) Por isso, a caridade é dita maior que a esperança e a fé, ou seja, é dela que adquirem a perfeição de virtude, não sendo só apreensão do intelecto. Ainda usando a autoridade de Santo Tomás se responde: “Assim, pois, a fé e a esperança podem, por certo, existir de algum modo sem a caridade, mas, sem esta, não podem realizar a noção perfeita da virtude. Pois, como a fé tem por objeto crer em Deus, e como crer é assentir na opinião de outrem, por vontade própria, o ato da fé não será perfeito, se a vontade não quiser do modo devido. Ora, só influenciada pela caridade, que aperfeiçoa a vontade, pode esta querer do modo devido; porquanto, todo movimento reto dela procede do amor, no dizer de Agostinho4. Por onde, a fé pode, certamente, existir sem a caridade, mas não como virtude perfeita; assim como a temperança ou a fortaleza não podem existir sem a prudência. E o mesmo se deve dizer da esperança, cujo ato consiste em ter em expectativa a futura beatitude dada por Deus. Esse ato será perfeito se se fundar nos méritos que já temos, o que não pode ser sem a caridade. Mas, se essa expectativa se fundar nos méritos que ainda não temos, mas que nos propomos adquirir no futuro, o ato será imperfeito, e pode existir sem a caridade. E portanto, a fé e a esperança podem existir sem a caridade, mas, sem esta, propriamente falando, as virtudes não existem; porque, a virtude, por essência, exige não somente que obremos de acordo com ela, mas ainda, que obremos retamente, como se disse” (ST IV, Q. 65, art 4)
De fato, a fé é cooperada pelas obras e é completada por elas.
Assim, termino este artigo citando Santo Tomás, o que não me é cansativo. Sua regra de ouro:
"Três coisas são necessárias à salvação do homem, a saber: a ciência do que se há de crer, a ciência do que se há de desejar, e a ciência do que se há de operar." (O Mandamento da Caridade, Intr.)
Nelson Monteiro.

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