Quae est ista quae ascendit de deserto, deliciis affluens, innixa super Dilectum suum? Quem é esta que sobe do deserto cheia de delícias e apoiada em seu Amado?

sábado, 22 de maio de 2010

Apologética através de Crônicas, Contos e Histórias. José - O “pastor profeta” do cerrado

__Você vai gravar um CD e venderá  milhares de cópias! __ Você tocará guitarra e será  um dos melhores! E essa linda menina – sua filha? – será uma maravilhosa cantora e fará um imenso sucesso louvando ao Senhor! 


Assim profetizou o burlesco profeta candango, enquanto eu balançava na rede conversando com meu irmão e com minha filha nos braços, na garagem de minha casa. O personagem já é conhecido na cidade, anda para cima e para baixo com seu terno alinhado e sua cômica gravata com a bandeira da Inglaterra, sempre fazendo profecias musicais, na última vez que esteve aqui na rua provocou a ira de alguns vizinhos. Ao passar pela casa ao lado disse a um garoto que este seria um consagrado baterista, resultado: A criança dias depois contou aos seus pais, também evangélicos, que disseram que eram palavras de Deus na boca de um profeta. Compraram uma bateria para o menino que acabou com a paz da vizinhança, o garoto que não possuía coordenação motora suficiente para andar de escada rolante e mastigar chiclete ao mesmo tempo, batia nos pratos como quem estivesse com ódio do instrumento. Após meses de dores de cabeça na família e nos vizinhos, após alguns pratos da bateria terem quebrado e da sentença de seu professor, perceberam que realmente aquela não era a vocação do menino. Talvez Deus tenha errado de endereço na hora da profecia. 

Quem hoje observa o Pastor José passeando, sempre arrumado e conversando, não consegue imaginar ele meses atrás, sem nenhum tostão no bolso furado, de roupas sujas de tinta, e sempre conversador. Era o verdadeiro Forrest Gump da cidade, sempre com uma história miraculosa e de difícil crença, eu mesmo já escutei diversas histórias escabrosas, e confesso que bem contadas e interpretadas de maneiras magníficas, realmente ele sempre teve o dom da oratória, mas para que eu acreditasse dependia unicamente se ele pagaria a conta ou não. 


Sonhava em enriquecer, já havia tentado todas as formas, esgotou seus cálculos para ganhar na mega-sena, quina, lotomania, loto fácil, jogo do bicho, baralho, bingo, corrida de jegue e todo tipo de jogo de azar que vocês imaginarem. Revoltava-se quando sua mulher dizia que jogo era coisa do demônio, e ficava ainda mais enraivado quando essa dizia que ele precisava ir com ela à Igreja. 


Mas, um dia algo mudou, todos estranharam José arrumado indo com a mulher para o culto. Não demorou muito e ele estava convertido e convencido. Contava a todos que agora sua vida mudaria, pois Deus não queria seus filhos na miséria. Depois de alguns meses, enlouqueceu ao fazer o balanço da sua vida nesse período, percebera que havia dado mais do que recebido, já não tinha nada e o pouco que possuía foi levado pela fé. Discutiu com o pastor, brigou com a mulher, e não deu outra, saiu para fundar sua própria Igreja. E dessa forma nascia o novo homem, o Pastor José. 


E não é que o homem prosperou? Mudou de vida completamente, agora é um homem de Deus, usa sua eloqüência para pregar, tem casa, carro e paletó “top de linha” e tudo ganhado a muito suor. Sim ele suou bastante! Não ele não encheu laje, não empurrou carro-de-mão ao sol escaldante, nem varreu as ruas, mas suou e suou abundantemente. Tanto que sua face caricata estava inchada e vermelha, e todo esse suor é fruto dos gritos ensurdecedores que dava ao pregar e ao incentivar a “devolução” do que Deus havia concedido aos fiéis. E dessa forma “graças a Deus” ele deixava a lama. 


O homem ainda ganhou poder, o mesmo que sofria pra expulsar os gatos que vagavam pela cidade e insistia em se acasalarem no telhado de sua casa, agora expulsava até o demônio. Oh homem poderoso meu Deus! Até a pouco tempo atrás se borrava de medo de ficar bêbado, e dormir nessas paradas de ônibus de Brasília super perigosas – os índios e mendigos que o digam – agora enfrentava até o “coisa ruim” de frente. E enfrentava mesmo, gritava insanamente, ficava vermelho e de papo inchado e fazia assustadoras caretas. Mas, não é que o “tinhoso” ia embora? Acho que ele na verdade fugia das caretas, mas no fundo eles devem ser até velhos conhecidos já que toda noite Guaixará¹ volta para atentar novamente. 


E assim, vem subindo a rua o Pastor José de terno alinhado e sua gravata com a bandeira da Inglaterra (não sei porque ele ainda insisti nessa coisa ridícula), com sua bíblia, sorrindo e acenando, pregando e cobrando, realizado, pastor com rebanho. E que se dane se a bíblia diz que é uma só fé e um só batismo, pois ele é um homem de Deus, e alguém iluminado assim deve poder ter sua própria igreja e seu próprio batismo. E quanto o que diz as escrituras? Ah, cada um interpreta do jeito que for inspirado, pelo menos é o que diz o Pastor José. 

 

Por Jefferson Nóbrega
 

1 – Guaixará é o nome dado ao Rei dos diabos na obra “Auto representado na Festa de São Lourenço”, do Padre José de Anchieta.

1 comentários:

Flávio Villela (Zé) disse...

Muito boa a crônica, está de parabéns pois ensina e diverte.

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