Quae est ista quae ascendit de deserto, deliciis affluens, innixa super Dilectum suum? Quem é esta que sobe do deserto cheia de delícias e apoiada em seu Amado?

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Missa - De frente para Deus ou de Frente para o Povo?

Por Jefferson Nóbrega

Prefácio

Papa celebrando Ad Orientem
Para os opositores e para aqueles que não conhecem, ou ainda os que desejam conhecer melhor à missa ad Orientem ou como muitos dizem "de costas para o povo". Trago o artigo abaixo baseado na obra "A missa de Frente para Deus" de Jean Fournée, onde em poucas páginas ele traz ótimos argumentos em defesa da missa voltada ao Oriente, voltada ao Sol Invictv (Sol Vitorioso), ao Sol Iustitiae (Sol da justiça), ou como exclama o Ocidente latino: Crux, splendidior cunctis astris! Voltada a "Cruz, mais brilhante que todos os astros!".

Nas origens do cristianismo se associa a oração voltada ao Oriente com o culto da Cruz. E o culto da Cruz é antes de tudo uma homenagem rendida à glória divina. Porém é também a afirmação de uma esperança. Se o Oriente evoca o Paraíso perdido, é mais ainda o lugar do Paraíso reencontrado. Ali está a morada do grande Senhor, marcado pela Cruz, sinal de reprovação para os malditos, mas sinal de reunião para os justos. Quanto, no interior de sua casa, os primeiros cristãos traçavam uma Cruz sobre a parede oriental e rezavam diante dela, expressavam sua fé na permanência do Senhor nos céus, porém diante da Cruz, conversi ad Dominum (Voltados para o senhor), ficavam de frente ao Soberano juiz na espera mística do grande retorno, esperança suprema.
Para este sinal que do Oriente nos chamava às bem-aventuranças eternas devia se dirigir o último olhar dos mártires. Esta Cruz, a qual exaltaram Justino, Irineu, Efrém, Paulino de Nola e João Crisóstomo, não era o madeiro vergonhoso do Gólgota, mas o testemunho deslumbrante da glória de Cristo com a qual se iluminará o último amanhecer do cosmo. Esta Cruz salvífica aparecerá no céu, nos diz Santo Efrém, "como o cetro de Cristo, o grande Rei... superando o brilho do sol e precedendo a vinda do senhor20 de todas as coisas". "Sinal triunfal!" exclama São João Crisóstomo, "mais resplandecente que o astro dos dias"!

A Missa de frente para Deus ou de frente para os homens?

ad Orientem x versus populum.

CONCÍLIO E PÓS-CONCÍLIO

Até aqui temos tratado de mostrar a conveniência da Missa de frente para Deus, e evocando a larga e unânime tradição referente à celebração para o Oriente.

Há poucos anos assistimos, na Igreja latina, uma ruptura massiva e brutal com esta tradição. Uma vez mais, esta virada radical pretende encontrar sua justificação em uma espécie de iluminação que tem sua fonte no último Concílio. Como se de uma vez o Espírito Santo tivesse revelado aos católicos o que ignoravam desde o começo: o significado da celebração eucarística.

Para falar a verdade, já fazia algum tempo que os altares começavam a serem virados. Quando um eclesiástico na onda tomava posse de um lugar de culto, era uma das primeiras reformas que pedia, ou melhor que impunha, e ele com a aprovação do que se chamava então de CNPL (Centro Nacional de Pastoral Litúrgica) (algum espírito malévolo poderia insinuar que o N de prestígio que corresponde a Nacional seria de "de Novidades"95 e até de Naufrageur(provocador de naufrágios), Navrant (aflitivo, ofensivo, que causa mágoa) ou Nefasto).
Buscar-se-ia em vão nos decretos do Vaticano II um texto que normalize esta inovação. Porém, como é sabido, o que conta não é o que dizem os textos, mas o que se quer que digam. Já não se está com a letra, nem mesmo com o espírito do Concílio, mas, como escrevia um dos teóricos da nova liturgia, com sua "dinâmica".96. Em suma, a exegese já não tem por lei o respeito da coisa escrita, mas sua manipulação.

Aparece claramente que esta manipulação é a que criou o mito conciliar e que difundiu no povo cristão certa imagem do Concílio, certa interpretação de suas decisões. Estas, ainda mesmo quando se desenrolavam as sessões, eram já desviadas para o sentido desejado por uma inteligência todo-poderosa. Foi ela que governou a opinião. Foi através do prisma deformante de seus comentários e de suas diretivas práticas que o povo cristão foi convidado a considerar o rosto do Concílio e a se conformar a seus ensinamentos. Estamos em um bom lugar na Una Você para dar um exemplo preciso disto. Não fomos reclamados o bastante que ao lutar pela salvaguarda do latim e do gregoriano estávamos em rebelião contra o Vaticano II? Sofri pessoalmente esta censura da parte de católicos fervorosos e de boa fé, que nunca leram os artigos 36 e 116 da Constituição Conciliar, e a quem se fez crer que o latim havia sido proibido por aqueles mesmos que o declaravam solenemente a língua própria da Igreja.

O Concílio pretendia ser pastoral e não doutrinal. O pós-concílio tem sido uma coisa e outra, e o que podemos afirmar, o que podem afirmar todos aqueles que têm olhos para ver e ouvidos para escutar, é que se introduziu uma desordem nos dois campos: na doutrina e na pastoral. Em sua audiência geral de 28 de janeiro de 1976, Paulo VI atualizava, ao citá-la, a obra escrita em 1968 pelo Pe. Bouyer sobre La décomposition du catholicisme. Em oito anos as coisas somente se agravaram. No campo da pastoral, o abandono do latim, do que se esperava tanto para dar à liturgia uma nova primavera, lhe valeu como primavera, a seca, em outra parte a tempestade, um pouco por todos os lados um florescimento anárquico, quase selvagem, descontrolado, de plantas rasteiras e venenosas (97), sob as quais murcha e morre a boa semente. Realmente, que linda primavera!

O abandono do latim, por certo, não é o único em questão, porém tem seu valor de teste, e se encontra implicado diretamente, entre outras medidas, no erro modernista que põe em grave perigo a própria substância da fé. Este erro, como o diabo, é legião. Como a hidra, tem múltiplas cabeças. Uma dessas cabeças tem por rosto: a abertura ao mundo. Outra: o desprezo do sagrado. Outra: oecumenismo mal compreendido. Outra ainda: um rosto que se parece muito com o precedente, eliminada toda ingênua candura, a saber, o rosto da heresia protestante.

Chegamos assim, depois de tê-lo situado por todo o precedente, ao centro mesmo de nosso debate. De início, afirmamos uma coisa: ter virado o altar (*98), por pretexto em uns, por razão sincera em outros, de uma melhor participação litúrgica, é realmente uma concessão perigosa ao modernismo. É uma etapa. É um "sinal de pista", cujo alcance não se capta o bastante, no caminho que leva à alteração profunda da doutrina da Missa, a fim de unir aos que, por sua vez, não estão decididos a nenhuma concessão doutrinal, dito de outra maneira, que seguem e seguirão na heresia e que somente pedem que sejamos atraídos a ela.
Voltar-se-á a isto mais adiante, porém, como em todo debate, devemos primeiramente expor os argumentos, bons e maus (pois nem tudo se deve reprovar), dos partidários da Missa de frente para o povo.

AS MÁS RAZÕES
(99)

1. Estar em comunhão com os fiéis

Um dominicano me dizia um dia: "Desde que celebro de frente para o povo, pergunto-me como antes pude fazer de outra maneira. Realmente preciso ter os fiéis diante de mim, e sentir-me em comunhão com eles". Isto completa outra reflexão coincidente, de um pároco que temos citado em Una Voce, nº 60, pp. 3-6: "Já estava cansado de celebrar diante de uma parede".

Se estas linhas caírem diante dos olhos deste sacerdote, espero que venha a servir para que admita que o que ele toma por uma "parede", em sua interpretação puramente funcional do edifício igreja, pode ser compreendido muito de outra maneira. O que merece ser assinalado é essa "necessidade" de estar de frente para os fiéis. Quem acredita ser este dominicano? Um ator, um conferencista, um demonstrador? A Missa por acaso é um espetáculo? E o que se quer mostrar aos espectadores: como se opera a transubstanciação??? Como se faz a fração da hóstia? Como procede o sacerdote para comungar sob as duas espécies? Acaso o povo tem necessidade de ver isso para crer? Deve-se pensar que antigamente estávamos muito mal informados dos ritos sacramentais e que os fiéis agora têm muita sorte? Vamos então! O único olhar capaz de contemplar o mistério é o olhar interior da fé, e se necessita de referências visíveis e audíveis, que eu saiba não lhe faltava até há pouco quando a Missa estava no bom sentido. Não, verdadeiramente não vejo como virar o altar facilita o acesso ao mysterium fidei.

Pelo contrário, penso que, nesta Missa onde se vê tudo, há um perigo de considerar os gestos do celebrante por si mesmos, de se ver tentado a humanizá-los, de deter-se em sua expressão formal, de considerar a quem os realiza em função não de sua missão sagrada, mas da maneira como os leva a cabo. Na Missa de frente para o povo, a qual não pode deixar de ser uma Missa espetáculo, há sempre para os fiéis, queira ou não, um convite à crítica no sentido etimológico da Palavra, que significa julgar. Não digo que este perigo esteja totalmente ausente quando o celebrante dá as costas aos fiéis, porém se encontra infinitamente reduzido, e quem não compartilha do ponto de vista do autor destas linhas poderá reconhecê-lo.

Poderão reconhecer igualmente que o que é um perigo para os fiéis, é também para o celebrante. E chego assim a outro argumento que com freqüência se escuta para justificar a Missa de frente para o povo.


2. Uma melhor qualidade dos gestos litúrgicos


Diz-se que o fato de ser melhor visto por todos obriga o celebrante a mais dignidade, a uma maior atenção, a um melhor controle de seu porte e de seus gestos, a uma tomada de consciência mais exigente de seu papel e de suas responsabilidades frente a quem está olhando, e que tudo isso só pode melhorar a qualidade da celebração litúrgica. Diz-se igualmente que o fato de pronunciar os textos em voz alta, sobretudo se se celebra em vernáculo, o obriga a articular melhor as palavras, pondo nelas o tom conveniente. Não o discuto. Reconheço de bom grado que o fato de não estar sob o olhar direto dos fiéis é de natureza capaz de favorecer certas imperfeições e negligências, ocultando-as em maior ou menor grau, e que as Missas chamadas "rezadas" (100) não tinham sempre a qualidade desejada, sobretudo numa época em que a não abundava a participação dos fiéis e nos lugares onde dominava uma formalidade dominical de rotina ou de conveniência.

Para o sacerdote, porém, que celebra de frente para o povo e que se vê como objeto dos olhares 101, existe o risco de "fazê-lo com pose". Este risco é máximo nas Missas transmitidas pela TV. Como poderia ser de outra maneira quando no lugar de seu grupo habitual de fiéis, o celebrante sabe que é o alvo de milhares de rostos, estando as câmeras a fazer dele um ator protagonista ?102. Este é um caso extremo, sem dúvida. Porém põe em relevo o aspecto de espetáculo da Missa de frente para o povo, na qual, com demasiada freqüência, mesmo diante de uma reduzida assistência, as entoações e os gestos do celebrante parecem estudados como os de um ator, com uma busca pela forma que vai além da simples preocupação pela dignidade. Isto é às vezes tão sensível que alguém pode perguntar se tal Missa deveria concluir não com "Ide em paz e o Senhor vos acompanhe" mas com "Me vistes?" 103

De toda maneira, há um gesto que me parece embaraçoso, até inconveniente, de se oferecer em espetáculo: o de comer a hóstia grande. Alguns celebrantes o sentem muito bem. Por isso, para fazê-lo, inclinam-se fortemente sobre a ara do altar.


3. O falso argumento da Ceia

Todos temos ouvido os partidários da Missa de frente para o povo dizer que à tarde da quinta-feira Santa, na última Ceia, Cristo não dava as costas aos seus apóstolos. Estes estavam reunidos ao redor dele, sentados na mesma mesa.

Aqueles para quem a Missa é somente uma refeição comunitária não podiam deixar de trazer este argumento. Lamentavelmente, se caem assim na heresia em matéria dogmática, não estão menos em erro em relação à história. Possivelmente tomam por referência alguma representação da Ceia na arte medieval. Se estivessem melhor informados da disposição da mesa e da distribuição dos comensais numa refeição na Antigüidade, veriam que Cristo não estava de nenhuma maneira de frente para os apóstolos e nem tampouco lhes dava as costas.

A célebre Ceia de Leonardo da Vinci mostra os apóstolos de um lado e outro de Jesus, de um só lado de uma mesa retangular. Outras obras não menos conhecidas, a Ceia de Philippe de Champaigne, por exemplo, destacam de igual maneira o primeiro plano, deixando sem ocupar (ou somente ocupado em seus dois extremos) o lado da mesa oposto a Cristo. Sem dúvida isto é apenas uma decisão de composição, destinada a destacar amplamente, para quem olha o quadro, Cristo e seus vizinhos imediatos. Porém os artistas, sem deixar de cometer um anacronismo com sua mesa retangular, adaptavam uma parte da disposição histórica da Ceia, tal como a podemos imaginar segundo os usos do tempo. A mesa devia ser de forma aproximadamente semicircular, em sigma grego, mantendo-se os comensais de um só lado, isto é, do lado exterior, convexo, servindo-se a mesa pelo lado da concavidade. Assim pois, Cristo não estava de frente para os apóstolos, o que não feria de maneira alguma por causa disso as relações de intimidade entre o Mestre e seus comensais.


4. O argumento pedagógico


Dize-nos que a liturgia deve ser um ensino, e que o aspecto pastoral da Missa implica a necessidade de fazê-la bem visível e inteligível a todos. Somente a celebração de frente para o povo alcança este objetivo, que se considera capital.100 NT
Missa rezada é uma expressão que se refere à Missa sem solenidade e sem o canto do celebrante. É a maneira comum de se celebrar a Missa no meio da semana.

Durante as jornadas de estudo de setembro de 1965 no Instituto Católico de Paris, protestamos, em nome da associação Una Voce, contra tal aberração. E citávamos algumas reflexões de Dom Froger, e inclusive do Pe. Congar.

Repetimos aqui, com Dom Guaillou, que "as pessoas não vêm à Missa como a uma conferência; não vêm para instruir-se nela; pelo contrário, devem estar instruídos de antes; vêm para louvar ao Senhor que conhecem, e porque o conhecem".
Sem dúvida, sempre necessitamos conhecê-lo cada vez mais, mas não à maneira de um certo número de teólogos de hoje, para quem o Senhor é objeto de pura especulação intelectual, e não deste conhecimento que brota da fé para unir-se ao amor. O Senhor, que se revela aos pequenos e aos humildes, se encontra verdadeiramente nesses falatórios intermináveis e nessas leituras cansativas que formam o mais claro da Missa em novo estilo?

O aspecto catequético da liturgia é um aspecto menor, secundário, "de acréscimo" (Dom Froger). O que primeiramente conta é o louvor divino, que culmina precisa e etimologicamente na Eucaristia.

Longe de mim a idéia de querer minimizar o valor litúrgico e espiritual de escutar a Palavra de Deus, ainda que eu não seja o único a deplorar que a liturgia da Palavra tenha tomado uma importância desproporcionada em respeito à liturgia eucarística propriamente dita, que continua sendo de qualquer maneira o essencial da Missa.104 Porém não vejo em que as leituras necessitam, ou simplesmente justificam, o altar de frente para o povo, posto que sua proclamação se faz, já não do altar, mas de uma estante ou de um ambão colocados no coro .105


ANOMALIAS E INCONVENIÊNCIAS DA CELEBRAÇÃO DE FRENTE PARA O POVO


A paixão pela Missa "ao revés" tem sido tal que bem poucos lugares de culto constituem uma exceção do que se tornou uma regra quase geral. E todo eclesiástico que hoje não se conforma a ela passa por um tradicionalista suspeito, mesmo tendo adotado o Novo Ordo.
E sem dúvida, o virar o altar, ou mais freqüentemente, a instalação de um novo altar diante do antigo, faz que apareça um certo número de anomalias, que talvez os fiéis percebam cada vez menos, com a ajuda (já!) do hábito, mas que nem por isso são menos chocantes.

O crucifixo sobre o altar


Onde colocá-lo e em que sentido? Questão embaraçosa e que nunca foi resolvida de uma forma satisfatória. Acreditou-se sair do problema (106) erguendo, aqui e ali, uma grande cruz lateral ao altar e um pouco diante dele (para os fiéis). Porém, que a Cruz esteja ou não no altar, para onde deve olhar? Se é para o povo, Cristo dá as costas ao ministro do altar, e é mal-educado. Se é para o celebrante, é mal-educado para com os fiéis. A solução é sem dúvida adotada pelo Cerimonial dos Bispos (1, 12, nº 11), e recordada pelo Pe. Roguet: "A cruz do altar deve estar olhando para a mesa do altar, de modo que seja o celebrante quem veja a Cristo" (Construire et aménager les églises,Edit. du Cerf, 1965, p. 49).

"Em muitos lugares onde se erigiu um altar-mesa para celebrar de frente para o povo, secometeu um erro, visível em demasiadas fotografias que alguém creria exemplares, de virar o Cristo para o povo".
Assim, pois, nenhuma dúvida: deve-se virar a cruz para o celebrante. Bem pior para fiéis. A frustração destes é por outra parte relativa, posto que "se o crucifixo é de tamanho normal, isto é, médio, a maioria dos fiéis não consegue ver o Cristo"!
Não se poderia imaginar uma pirueta mais desenvolvida para descartar a única solução lógica, que seria voltar a colocar o altar no bom sentido...

Em suma, se está em plena contradição, e em plena descortesia: o celebrante está de frente para o povo, mas o divino Crucificado lhe dá as costas! A liturgia se volta a fechar numa relação Cristo-altar-ministro, o que está em flagrante desacordo com todas as boas razões de abertura ao povo que os ardentes defensores da celebração versus populum invocam. E assim se está em ruptura com o simbolismo que, desde o começo do cristianismo, estava unido à cruz do Gólgota, olhando para o oeste, isto é, para o mundo dos redimidos, a que seus braços atraem e reúnem em um mesmo povo.107. Este duplo simbolismo do acolhimento e da introdução ao mistério redentor, tão bem expressado pela cruz das vigas de glória, teria, apesar de tudo, uma dimensão distinta da que tem esta espécie de diálogo "clerical" a que se quer reduzir.108


O testemunho dos Santos Padres

Alguns textos Patrísticos

Destaco agora os testemunhos dos Santos Padres em defesa da oração ad Orientem.

Clemente de Alexandria

Lê-se em Clemente de Alexandria (?215 aproximadamente): "O oriente é a imagem do dia que nasce. É deste lado também que cresce a luz, a qual em primeiro lugar faz desaparecer as trevas onde se detém a ignorância e de onde se separou o dia do conhecimento da verdade da mesma maneira como se eleva o sol. Por isto, é normal que se dirijam as orações rumo ao nascimento da manhã". Esta conveniência - prossegue - explica a disposição dos mais antigos templos (Stromatum.,livro VII, cap. 7. P.G. IX, 482-483).

Tertuliano

Tertuliano (?240 aproximadamente) - constata e aprova o uso observado pelos cristãos de se voltarem para o oriente para rezar. Volta-se para isso em várias ocasiões: Ad orientis regionem conversi, Deum precabantu... Ad orientis partem facere nos precationem.

São Cipriano

São Cipriano (?258) se expressa assim: Cristo é o verdadeiro sol e a verdadeira luz. Quando, ao declinar o dia, pedimos que a luz brilhe de novo sobre nós, imploramos a vinda de Cristo que nos dará a graça da eterna claridade. Ora, que Cristo seja designado como o dia é o que nos ensina o Espírito Santo nos salmos... É ele o dia que o Senhor fez; marchemos e alegremo-nos com sua luz...Cristo é igualmente designado como o sol, segundo nos atesta Malaquias.

Orígenes

Um dos textos mais importantes é o de Orígenes (?255 aproximadamente) em seu Libellus de oratione: "E agora, a respeito da parte do mundo para a qual se deve dirigir para rezar, serei breve. Sendo quatro essas partes: o norte, o sul, o poente e o nascente, quem pois negará que se deve indicar bem claramente o nascente, e que devemos rezar voltando-nos simbolicamente para esse lado, olhando com a alma de certo modo a saída da verdadeira luz? Se estando as portas da casa situadas não importa para que parte, alguém prefere por causa disso rezar para o lado de onde se abre a morada e sustém que a vista direta do céu o atrai mais que um muro que o esconde, no caso em que a entrada da dita casa não esteja para o oriente, é necessário responder-lhe que pela vontade dos homens os edifícios se abrem para tal ou tal parte do mundo, enquanto que é pela própria natureza que o oriente supera as outras regiões do céu. Ora, o que está na ordem natural supera o que provém de um arranjo arbitrário". E isso vale, segundo Orígenes, a priori para a oração de quem se encontra em campanha rasa43. Se se admite - diz - que o oriente tem a prioridade, por que não admiti-lo em todas as partes? (P.G. XI, 555)

Lactâncio

42 Apolog. XVI, 9-11 (Corpus Christian. 1,1, p. 118); Ad Nationes, I, 13 (C.S.E.L. XX, 83). Cfr. P.L. I, 370, 579, 942.
Leiam-se, em seguida aos textos de Tertuliano, os comentários do maurista Dom N. LE NOURRY. Este expõe uma das razões de conveniência da orientação da oração: Cristo na cruz olhava para o ocidente, era pois normal que os cristãos ao contemplar a cruz se voltassem para o oriente (Christus Dominus in Cruce constitutus ad Occasum respiciebat, inde Christus tamquan defixis in Christum oculis versus Orientem se obvertebant). Teremos que voltar sobre esta conveniência mística da oração orientada a propósito da disposição interna das igrejas. 43 NT. O original traz campaña rasa e existe no português a expressão campanha rasa. Não consegui, entretanto, compreender o significado. Campanha pode significar batalha, acampamento militar, planície. Lactâncio (250 ~ depois de 317) explica porque convém orar para o oriente: "Desta terra, [Deus] constituiu duas partes contrárias e opostas uma à outra, a saber, oriente e ocidente. O oriente está iluminado por Deus, Ele mesmo fonte da luz, iluminador de todas as coisas. Ele nos faz entrever a vida eterna. O ocidente, pelo contrário, se atribui ao espírito turvo e vicioso, porque esconde a luz, porque traz sempre as trevas e faz que os homens sucumbam ao pecado.
A luz vem do oriente e a vida tem seu princípio na luz. As trevas estão no ocidente, e nas trevas estão a morte e a destruição"44.

São Jerônimo

Interroguemos a São Jerônimo (347~419). No livro segundo de seu comentário sobre Habacuc, compara Cristo com o Sol de justiça que ilumina a Igreja. Comentando Zacarias, escreve: "O Senhor não se adiantará ao declinar o dia, na proximidade das sombras da tarde, como o fez, lemos, com Adão (cf. Gn 3,8). E quando se detiver, não será nos vales e nas depressões, mas sobre a montanha... E esta montanha está junto a
Jerusalém, do lado do oriente, de onde vem o Sol de Justiça"45. Mais incisiva e precisa é esta passagem de seu comentário sobre Amós (livro III), na qual recorda primeiramente os versículos 33 e 34 do Sl 68: "Cantai os louvores de Deus, fazei ressoar cânticos à glória do Senhor que subiu sobre todos os céus para o oriente"46. E logo escreve: "Daqui vem que, em nossos mistérios, renunciemos primeiramente aquele que está no ocidente e que morre em nós com os pecados, e, voltando-nos para o oriente, nos aliemos ao Sol de justiça e prometamos servi-lo a partir de então"47.

São Cirilo de Jerusalém

Essas palavras são um eco das de São Cirilo de Jerusalém (313~386): "Quando renuncias a satanás, abolindo todo pacto com ele (cf. Is 28,15) e todas as velhas alianças com o inferno, então se abre para ti o paraíso de Deus, que Ele plantou ao oriente (Gn 2,8), do qual, depois de ter violado o mandamento de Deus, foi expulso nosso primeiro pai. E em razão desse símbolo te voltaste do poente para o oriente, que é a região da luz. E então é quando deves dizer: 'Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo, e em um batismo de penitência'"48.

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Referências

NT=Nota do Tradutor

44 Divinarum Institutionum, lib. II: De origine erroris, cap. X. P.L. VI, 307.
45 P.L. XXV, 1524.
46 Algumas traduções recentes trazem: Reinos da terra, cantai à glória de Deus, cantai um cântico ao Senhor, que é
levado pelos céus, pelos céus eternos. A Vulgata e a Nova Vulgata trazem caelum caeli ad orientem.
47 Oeuvres completes, publicadas pelo abade Bareille, t. 8, Paris, 1879, p. 455.
48 Catechesis XIX, Mystagogica I, P.G. 33, 1074.


95 NT. Adaptação do original Novador.
96 Em virtude desta "dinâmica" se constituiu o regime atual de adaptação contínua e de incessante criatividade, e se
instalou na Igreja essa "revolução litúrgica permanente", recentemente denunciada pelo Pe. Bruckberger (Cfr. L'Aurore,
de 11 de março de 1976).
97 NT. No original: de malezas y de plantas venenosas.

98 NT. No sentido de celebrar do seu lado posterior, de frente para o povo.
99 NT. As únicas razões no original são as quatro colocadas, consideradas boas ou más.

100 NT. Missa rezada é uma expressão que se refere à Missa sem solenidade e sem o canto do celebrante. É a maneira comum de se celebrar a Missa no meio da semana.
101 NT. No original: que se sabe mirado.
102 NT. No original: una vedette.
103 NT. No sentido de "Como fui? Fui bem?"

104. Não estou convencido de que a abundância e a variedade das leituras bíblicas, e sua divisão em um ciclo trienal, obtenha o resultado que os reformadores deduzem de antemão, a saber, um melhor conhecimento da Escritura por parte dos fiéis. A intenção era laudável, mas repousa num erro psicológico. Para o comum dos fiéis, a faculdade de recepção continua sendo limitada. Seria interessante interrogá-los à saída da Missa segundo o novo Ordo. Quantos deles seriam capazes, não digo de resumir o conteúdo das leituras, mas apenas de dar sua referência? Em tal caso, em lugar desta espécie de empresa enciclopédica imposta a todos em nome de uma pastoral "de conjunto" notoriamente irrealista, não era melhor contentar-se como antes com um ciclo curto e uma antologia de textos bem escolhidos que, ao repetir-se cada ano, "passavam" muito melhor o entendimento do fiel médio de nossas paróquias?

105 É a opinião do Pe. Bouyer até há pouco bastante partidário do altar de frente para o povo, e que estima que, na situação atual da proclamação das leituras bíblicas, sua justificação fundamental desapareceu (Architecture et Liturgie, édit. du Cérf, 1987.
106 NT. O original traz: se ha creído salir del paso. Acredito que o sentido seja o colocado acima.

107 Cf. Jean DANIÉLOU, Le symbolísme cosmique de la Croix, La Maison-Dieu, nº 75, 1963, pp. 23-38.
108 NT. No original: una dimensión distinta de la de esta especie de diálogo "clerical" a la que se lo quiere reducir.
O original termina aqui. Há a impressão de que a obra está incompleta. Não encontrei outra versão para fazer comparações.

As citações deste artigo foram retiradas da obra "A missa de Frente para Deus" de Jean Fournée.


Jefferson Nóbrega
Pax et Bonvs.

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