Quae est ista quae ascendit de deserto, deliciis affluens, innixa super Dilectum suum? Quem é esta que sobe do deserto cheia de delícias e apoiada em seu Amado?

domingo, 9 de maio de 2010

Pecado: parte II

Quando nos colocamos a refletir acerca do pecado comumente nos indagamos acerca de sua origem ou até mesmo, por ignorância ou fraqueza, sua existência. É inútil tentar ignorar esse dado de fé em nossa vida, pois ele é algo presente na história da humanidade e mesmo que as vezes queiramos nominá-lo de outras maneiras mais sutis ele não deixa de fazer parte de nossa existência primeva.

Antes do mais, é necessário ter em mente que o pecado é a recusa e oposição a Deus, sendo que o homem é um ser profundamente ligado a Deus e isso só se entender verdadeiramente frente à Revelação divina, pois, de outras maneiras somos sempre propensos a explicá-lo de modo único como falta de crescimento ou ligado a questões psicológicas. O pecado é unicamente “um abuso da liberdade que Deus dá às pessoas criadas para que possam amá-lo e amar-se mutuamente” (CIC 387).

A partir do dado da Revelação pode-se entender plenamente a realidade do pecado, pois à luz da Morte e Ressurreição de Jesus pode-se reconhecer a fonte da Graça e em Adão a fonte do pecado. O Precôncio Pascal que é cantado na Vigília Mãe no Sábado Santo nos mostra claramente a revelação do Redentor do mundo: “O certe necessárium Adae peccátum, quod Christi morte delétum est! O Felix culpa, quae talem ac tamtum méruit habére Redemptórem!” ( Ó pecado de Adão, certamente necessário, pois que com a morte de Cristo foi apagado! Ó feliz culpa, que mereceu tal e tal e tão grande Redentor!)

O conceito de “Pecado Original” é inaugurado pelo Santo Agostinho de Hipona em sua conhecida obra: Confissões. Esse conceito que marcou a teologia católica e a vida das sociedades ocidentais. É na resposta à heresia pelagiana sobre o problema da origem do mal que Agostinho elabora sua reflexão. Pelágio, um monge britânico, defende que, pela liberdade, o homem se redime a si próprio. O pecado de Adão não é hereditário e é desnecessário o batismo das crianças, um tema em debate na Igreja da época. Pensa ainda Pelágio que "o homem é livre e responsável pelos seus atos” e que pode estar "isento do pecado" e tornar-se a "imagem" de Deus. A experiência da conversão de Agostinho diz-lhe o contrário do que defende Pelágio. "Negar o pecado original é negar a salvação de Cristo." Ou seja, para acentuar a graça como dom de Deus ao homem, Agostinho afirma que, reduzido à liberdade, o homem pode cair, mas não consegue salvar-se sozinho. Daí a necessidade da graça e da salvação oferecida por Deus, que é "é original e central".

O pecado original - o mal que entra no mundo por causa da desobediência de Adão a Deus - transmite-se depois pela sexualidade. Segundo este conceito, a natureza humana é pecadora desde a nascença, uma idéia que retoma as interpretações literais do Gênesis e das cartas de São Paulo. "Foi Deus que fez os sexos. Como podia acontecer que aqueles que estavam destinados a unir-se entre si não movam os seus corpos?", pergunta Agostinho em "Acerca do casamento e da concupiscência" Agostinho defende com veemência a idéia do batismo das crianças. Só o batismo é a "indispensável condição de uma regeneração que permite escapar ao suplício da morte eterna, que apaga a culpabilidade, sem por isso livrar da concupiscência e da ignorância iniciadas pela desobediência de Adão.

O tema do pecado original aparece desenvolvido, sobretudo em obras como o "Comentário da Carta aos Romanos", os "Escritos Anti-Pelagianos" ou "Sobre o batismo das crianças". "A liberdade é essencial, mas tem limites e o homem não se teria libertado sem a intervenção da graça divina". Para o autor das Confissões "o pecado original não é uma responsabilidade pessoal; é histórico e lesou a natureza humana". Daí o caráter "profilático" do batismo, como "valor potenciador da natureza humana" e contra uma "visão mágica" do sacramento.

O debate em que Agostinho entrou continua atual: "grosso modo". A teologia católica condenou a idéia protestante de que cada um pode ser salvo por seus proprios esforços, ao contrário de Agostinho que defende que o homem só pode ser salvo pela graça de Deus

A doutrina do pecado original é essencialmente contrária a Boa-Nova da redenção vinda a nós por Jesus, o Salvador de todos os homens, pois ela exprime a preferência do homem por si mesmo a Deus, menosprezando a Deus e contrariando seu estado de criatura. Pelo relato de Gêneses percebe-se perfeitamente a ruptura com a santidade original e a desarmonia com todo o cosmo.

Contudo, a Santa Mãe Igreja não cessa de trazer à luz da consciência humana o dado do pecado e escreve na Constituição Pastoral Gaudium et Spes: “ O que nos é manifestado pela Revelação divina concorda com a própria experiência. Pois o homem, olhando para o seu coração, descobre-se também inclinado ao mal e mergulhado em múltiplos males que não podem provir de seu Criador, que é bom. Recusando-se muitas vezes a reconhecer Deus como seu princípio, o homem destruiu a devida ordem em relação ao fim último e, ao mesmo tempo, toda a sua harmonia consigo mesmo, com os outros homens e com a coisas criadas.” (GS 13,1). Desse modo, é errôneo de nossa parte negar que o homem tenha uma natureza lesada, inclinada ao mal, pois dá lugar a graves erros no campo da ação moral e da educação. A situação do homem frente ao pecado é uma batalha dramática, mas com auxílio da Graça de Deus, o homem, buscando sempre aderir o bem, pode alcançar bens melhores do que aqueles que o pecado havia tirado: “Onde avultou o pecado, a graça superabundou” (Rm 5,20).

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